segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Os Contos de Paulo Mocorongo


Eu fui. Não. Ele foi, pois não sou mais o mesmo que era. Então, eu, daqui pra frente, serei ele. Ou seja, quem fui. Ou melhor, quem ele foi, no entanto eu era. E aqui começamos.

Uma noite, Paulo Mocorongo foi tomar seu uísque na sacada de seu apartamento e viu uma estrela cadente. Pelo que lembrava, havia mais de quinze anos que não via uma. A cidade ficava cada vez mais iluminada e o céu cada vez mais escuro. Formado em jornalismo, com especialização em antropologia e pretensões literárias, acabou passando em um concurso público para analista administrativo em uma empresa estatal qualquer. Descobriu um serviço repetitivo e entediante que qualquer idiota alfabetizado conseguiria fazer, porém um trabalho capaz de esgotar toda a energia de um medalhista olímpico e de anular a individualidade de qualquer um que ao menos saiba da existência de tal característica humana. Endividado – carro, apartamento, pensão –, como qualquer um submeteu sua inteligência às suas responsabilidades. Não havia ido ao trabalho, apenas telefonou avisando uma doença qualquer. Não gostava disso, contudo, essa é uma das maiores lições da disciplina, ela te ensina a mentir.
Enquanto pensava em um pedido – nada tão glutão ou óbvio como dinheiro, mulheres e uma garrafa de uísque infinita, porém, ao mesmo tempo, não tão nobre quanto o conhecimento, a iluminação divina ou a paz mundial; pensou em algo mais pessoal, outro emprego como repórter, assessor de imprensa ou talvez em marketing cultural –, enfim, enquanto decidia, uma figura estranha surge ao seu lado, lhe entrega uma esfera negra como o mofo em seu sofá e lhe aconselha “paciência, quando tomar uma decisão, pressione a esfera com a mão, será esta a mão que te levará a realização”. A entidade, então, desaparece como as canetas em seu escritório. Tarde demais. Paulo, segurando o copo com a mão esquerda (pois da onde vem líquidos destilados devem ser bebidos com a mão esquerda e o contrário para os fermentados) apertou a esfera com a direita. Desejou escrever um romance. Um grande romance, pois isso sim lhe daria fama e uma coluna no caderno cultural de um grande jornal e o faria viajar dando palestras em e feiras literárias por todo o Brasil e, consequentemente, lhe daria dinheiro, mulheres e toda bebida que pudesse tomar em convenções sociais.
Canhoto, teve que aprender a escrever com a mão direita, a qual só usava para segurar o copo de cerveja e abrir portas de banheiros públicos. Contudo, na sua idade, 31 anos, tal reeducação motora seria quase impossível. E de um grande romance saiu este único conto que você acabou de ler.

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